Oi pai...

Um bate papo aqui de dentro

Pai, dessa vez não quero te encontrar como fizemos nas últimas vezes, tenho medo de não mais te reconhecer. Ja faz tanto tempo….

Sempre quis te levar pras lugares diferentes, e hoje a visita é dentro de mim. Vem e me ajuda a desvendar essa missão que é “se encontrar”. Eu vou ficar aqui de fora te guiando.

Pode entrar, você é a primeira pessoa, nunca ninguém esteve la dentro. É seguro, eu te gatanto.

Aqui é o lugar mais racional, onde deixei tua memória por muito tempo, na tentativa de sofrer menos com a tua ausência. Mas sabe que eu descobri que aí também fica a parte mais irracional? A parte que me fez sentir tanto medo, que eu achei que iria enlouquecer. Talvez eu tenha de fato enlouquecido por um bom tempo. Por que sentir medo a ponto de perder a razão, a ponto de temer a mim mesma não fazia sentido. Por que eu sentia como se o mundo fosse me engolir se eu olhava ao redor e via uma imensidão? Era como se tivesse um urso enorme do meu lado e eu precisasse sair correndo, sem conseguir me locomover. Pânico, corpo tremendo, visão embaralhada e muita angústia.
Tá vendo essas memórias? Elas são horrorosas, não é mesmo?
Mas já passou, são apenas memórias, assim como… você?

Eu posso passar a vida tentando te esquecer, mas não vou conseguir assim como essas memórias aterrorizantes que você vê, também não irão ser esquecidas. Mas eu aprendi a viver assim.

Desse mesmo lugar vem “você deve parar de fumar”, “por que você vive longe da sua família?” “você não fala alemão perfeitamente ainda” “ta ai cocriando dinheiro enquanto pessoas ainda passam fome no mundo” “para de ser idiota e aceitar que homem te trate como lixo” “e se eu ligar o foda-se e viver com dinheiro do auxílio do governo?”

Te conecto agora direto pro lugar mais quentinho de mim, que de fora eu imagino vermelho, você vai conseguir ver de fato como é. Eu acredito que seja um lugar lindo. Se você olhar bem ao redor vai perceber que ele é praticamente preenchido com aquilo que você me deu. Eu vejo o Pedro de óculos redondinho com o aro azul, a Maria de cabelinho chanel bem lisinho. A mãe acendendo uma velinha que parece mais uma varinha de condão, por que a fé dela na gente faz tudo acontecer. Vê esses cachinhos loiros da Victoria e se isso não é amor?

Depois de uma passagem por um lugar calmo e tranquilo vou te levar pra onde não se leva os pais, mas eu nunca fui convencional, e você me conhece bem.

A ilusão é que esse lugar tem que conectar os outros dois que você acabou de conhecer. Mas nada se conecta. A conexão parece ter acontecido muitos anos atrás mas eu era jovem demais pra saber se estava tudo em hamormia. Até por que sexo com amor é tão bom que no começo você nem percebe se aquilo é tudo de melhor na vida ou só a demência da paixão trazendo excitação pro corpo.

Mas hoje em dia eu criei uma barreira entre esses 3 lugares e eles não se conectam, nunca. E daí vem minha maior frustração na vida. Você que está aí dentro…me diz, existe um caminho entre esses lugares? Uma porta? Uma janela, quem sabe?

Espero que com a tua passagem por esses três lugares tão importantes dentro de mim, tenhas deixado algo modificado, um acesso, algumas pegadas, ou uma benção, sei la.

Até breve.

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