O medo e a realidade
1 – O diagnóstico
Vocês sabem bem como eu me senti quando descobri que meu pai estava com Leucemia, como eu contei aqui. Vim para o Brasil com o coração na mão e coberta de esperança. Logo que cheguei visitei meu pai no hospital, que parecia tão bem e ninguém conseguia acreditar que ele estava com a doença. Ele deveria ficar 30 dias no hospital internado fazendo o primeiro protocolo (seções de quimioterapia). Eu alternava meus dias de visita com a mãe, que ia com mais frequência e fazia companhia a ele. Como eu estava resolvendo as questões burocráticas da vida que segue, minha visita era sempre acompanhada de um documento ou o laptop, para checar pagamentos e afins. Mesmo com medo e o coração na mão, eu ainda tinha o que fazer por ele. Pesquisei bastante sobre a doença, conversei com médicos, liguei para outros hospitais, contatei amigos… Enfim, tudo em busca do melhor para meu pai. O vi algumas vezes fazendo a quimioterapia, recebendo bolsa de sangue ou até mesmo com as plaquetas baixas demais, o deixando com uma aparência apática. Chorei muito e senti tanto medo que nem sei explicar hoje.
2- Os efeitos da quimioterapia
Ele seguia tão bem o tratamento, que nós (família e amigos) estávamos certo que em algumas semanas ele voltaria para casa, para dar continuidade ao tratamento. Só que a quimioterapia mata tudo, tudo de bom e de ruim. E com a baixa de imunidade que a própria doença causa, com a quimioterapia baixou mais ainda. No Natal ele pediu para ficar sozinho, queria usar aquele dia como um retiro espiritual. Nós respeitamos. Compramos presente de Natal e esperamos o dia 25 para entregar. Nesse dia minha mãe foi para o hospital fazer a visita e ele já estava muito fraco. A mãe voltou para a casa e contou que ele estava fraquinho. Ficamos todos preocupados, achando que ele estava desistindo. No outro dia minha mãe retornou ao hospital para visitá-lo, e eu, sempre muito ansiosa para saber notícias, liguei para saber como andavam as coisas. Ela dizia que ele continuava muito fraco, mas eu não tinha ideia do quanto. Perguntei se ele estava se deixando levar e ela disse “Não, ele vai voltar pra casa! Não é Zé? Diz pra Karina que tu vai voltar pra casa.” Eu já comecei a chorar e pedi pra que ela não passasse pra ele. Mas ela passou e ele disse “siiiiim, vooooou” numa voz tão fraca que me doeu tudo por dentro.
Minha mãe voltou pra casa dizendo que os médico haviam liberado a estadia dela no quarto dele, até então proibida. Aquele medo que me visitava a cada minuto, se estacionou na frente do meu nariz. Algo está dando errado.
3- Encarando mais um desafio
Eu não queria vê-lo, pois sabia que não iria aguentar meu emocional, mas mesmo assim subi até a ala do meu pai para conversar com a médica. A doutora me disse que eu poderia vê-lo, mas eu insisti que não. Foi então que ela me explicou que o quadro dele era grave, pois ela estava com a imunidade em 0%. Nesse momento meu pai passa do meu lado em uma maca. Ele, que justamente fazia tudo normalmente dentro do hospital. O meu pai! Eu entrei em desespero. Após a volta dele ao quarto, depois de uma tomografia na cabeça, devido as dores fortes, eu aguardei na salinha de visitas. A psicóloga conversava comigo, tentando me acalmar e me convencer a ver ele. Eu colocava o pé na porta, ouvia ele gemendo de dor e voltada. Entrava mais um pouco, via apenas os pés e voltava. Era medo de ver meu pai de uma maneira diferente. Me senti covarde! Até que fui até a porta de novo, vi que ele tinha os olhos fechados e pensando que ele estava dormindo, entrei. Não tinha mais como sair. Eu fiquei e falei que eu estava ali. Ele não abriu o olhos. Colocava a mão na cabeça e no estômago reclamando de dor. Até então nenhuma palavra tinha saído da boca dele. Os batimentos cardíacos aumentaram e a enfermeira apontou pra mim, querendo dizer que era devido a minha presença. Ela perguntavam algo pra ele e ele respondia com o dedo. Até que ele abriu bem rapidinho o olho esquerdo e me espiou. Foi a última vez que vi meu pai acordado.
3- A UTI
Na noite seguinte minha mãe liga dizendo que ele estava mais calmo e dormia já há algum tempo. Fui dormir aliviada e agradecendo todas as orações feitas pelos amigos. Na manhã seguinte ela liga para avisar que ele estava sendo transferido para a UTI devido a um choque séptico. Foi aí que minhas forças entraram em ação. Eu já tinha sentido tanto medo e tanta angústia que não me restava mais nada além de ser forte. Fui buscar minha mãe na UTI aquele sábado, 29 de dezembro. De domingo até hoje vou todos os dias ouvir o laudo médico. Só entrei no quarto dele dia 31 de dezembro a noite. Tentei entrar a tarde, fui até perto da porta, mas minha dor não me deixou. Voltei pra casa, mas me sentindo novamente tão covarde, já que meu irmão e minha irmã já tinham entrado a tarde. Era o ultimo dia do ano e eu precisava falar com ele, mesmo que ele não me ouvisse. O medo dessa vez foi o maior de todos, que a cada passo que dava eu urinava. MEDO. TRISTEZA. Entrei no quarto e vi o que eu jamais me preparei para ver.
Nesses 9 dias ouvindo o boletim através dos médicos, mas sem ver a situação, eu criei uma força que me assusta. Já senti saudades, a dor da perda, a desilusão, o medo e todos os outros sentimento embutidos nessa realidade. Não há mais o que sentir nesse momento. Nem o que fazer, a não ser esperar. Só não posso pensar muito, por que o pensar assusta, e eu preciso manter meus dois pés bem no chão.
Milagres acontecem, não é mesmo?
3 Comentários
Lenadir Correa das neves
Força Karina!!!Estamos todos unidos rezando.Milagres acontecem sim!
Bárbara
Com certeza prima existe prima… Creio muito prima na recuperação do padrinho… Todos os dias peço a Deus a cura.. E tenho certeza que muitas pessoas estão orando e acreditando… Bjosss
Cleia Maria Braganholo
Estou contigo Karina!! imagino que deve ser a porrada mais forte que vc já enfrentou. Luz, muita luz para todos.